Monday, April 16, 2007

ainda o ódio à Sabrina

Lembro-me de ter lido algures, aqui há uns anos, que uma actriz brasileira depois de ter sido ofendida pelas pessoas na rua, chegou mesmo a ser agredida por algumas pessoas, seguidoras acérrimas da novela em que participava e que resolveram, pelas próprias mãos, dar o devido castigo à personagem maléfica que ela representava na novela. Violência é sempre condenável, mas confundir uma pessoa com um papel que representa é uma atitude de quem não consegue estabelecer uma diferença entre ficção e realidade, o que é frequente, ainda nos dias que correm, e revelador do fracasso das políticas de educação audiovisual.

Pobre actriz que sofreu na pele as consequências dos actos da sua personagem, mas pobres pessoas, essas que acreditam fielmente que aquilo que vêem na televisão corresponde à realidade. Sempre foi assim. Sempre houve pessoas que acreditaram em tudo aquilo que viram ou leram. Madame Bovary não morreu e engana-se quem o pensou. Adoro a complexidade desta personagem de Flaubert, e até me identifico com ela, já que para mim a leitura também é um dos melhores prazeres e só quem nunca passou horas a devorar páginas de um livro em silêncio é que não consegue nutrir simpatia por ela. E era incondicional o amor que Emma nutria para com a literatura, tão forte que a conduziu à morte.

Emma amava as personagens dos romances que tinha lido, às escondidas no convento que frequentou, e que ganharam vida na sua imaginação. Charles, o seu marido, e o mundo onde estava inserida não a satisfaziam, porque não correspondiam à realidade sonhada dos livros. Nos romances tudo era tão perfeito, tão romanticamente belo, e a realidade era tão crua e cinzenta. No mundo real não existiam príncipes encantados montados a cavalo, em noites de luar, dispostos a tudo para resgatar a princesa que vivia no seu coração. Pobre Emma, vítima da literatura que amou. Como Daniel Pennac mais tarde escreveria, um dos direitos inalienáveis do leitor é o direito de amar as personagens de um livro. Era o direito de Emma. Mísera condição a de quem vive apenas a vida sonhada dos livros.

Como Emma, a Sabrina, ou a Dulce Pontes, ou a Kasia Kowalska, ou os Abba. Os artistas eurovisivos ganham vida no grande romance aberto que é o Festival da Eurovisão. Um romance onde há personagens que vencem e outras que perdem. Um romance onde há canções de amor e desamor, onde há cantores que despotelam simpatias, outros admiração, mas também rendição e total devoção. O que está em causa não é a pessoa (real) dos intérpretes. A partir do momento em que se tornam eurovisivos, os cantores ganham vida para os seguidores do espectáculo. Como um papel representado numa novela, ou num livro, os cantores eurovisivos são personagens, que os fãs vão amar ou odiar (ou não gostar de, que para mim é a mesma coisa, embora prefira o verbo odiar, por ser mais expressivo no que se refere a sentimentos nutridos por alguém). O alvo dos sentimentos é sempre a personagem - essa máscara que nos é dada conhecer, mas que não é a vida real dos cantores. E a essas personagens colamos rótulos, sejam positivos ou negativos.

O que quero com isto dizer, é que a mim, enquanto autor deste blog, não me interessa nada a Teresa, mas sim a Sabrina. Não me interessa a pessoa que se esconde por detrás da cantora, mas sim a personagem inventada para ir à eurovisão. Essa Sabrina pela qual nutro ódio, sim, é verdade, mas um ódio pela cantora (que me é dada a conhecer) e não à pessoa em questão (que não conheço). A Sabrina, como o Rui Bandeira podem ser pessoas fantásticas, simpáticas, maravilhosas, podem ser tudo o que quiserem e o que não quiserem nas suas vidas privadas. Eu não privo com eles, não conheço a realidade por detrás das aparências. Para mim, enquanto fã, o que me interessa são as realidades fingidas. Odeio a Sabrina mas amo a Kasia Kowalska, que é, no meu imaginário, a mulher perfeita. E sem nunca a ter conhecido. Também amo a Emma Bovary e não nutro grande simpatia pelo seu marido Charles, ainda que aceite que muita gente tenha uma opinião divergente. Agora, o que não aceito é que me obriguem a amar o Charles, só porque a maioria também o ama. Eu não sou a maioria. Como diria Evriki, eu também sou um ser humano e tenho o direito de amar quem eu quiser, e de odiar quem eu quiser também, seja na vida real, ou num mundo onírico, que é aquele onde pairam e por onde vagueiam os artistas que já pisaram a Eurovisão.

1 comment:

Anonymous said...

Andas possuido pelo Belzebu, diabrete, diabo, seja o que for! ; )